sexta-feira, 28 de maio de 2010

Educação e cultura

O educador Tião Rocha é antropólogo, educador popular e folclorista. É fundador e presidente do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento - CPCD, organização não governamental, sem fins lucrativos, que atua no campo da educação popular e do desenvolvimento comunitário, tendo a cultura como instrumento e matéria-prima de
ação pedagógica e institucional.

Divulgo aqui um artigo para inspirações futuras, que pode ser encontrado em http://www.scribd.com/word/full/2974456?access_key=key-xvdrftlqf6f28gqr0y5.


A Função Do Educador

Tião Rocha

"Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.
Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!"
A este texto primoroso, o escritor uruguaio Eduardo Galeano denomina de "A função da arte", publicado em seu "O Livro dos Abraços" (1989).
Poderia ser também, ao nosso ver, chamado de "A função do pai" ou "A função do educador".
O pai ou o educador não é aquele que ensina ao filho ou ao aluno como é o mar, mas o que, junto com o filho ou o aluno, leva-o a descobrir e a se apropriar do(s) mar(es) mundo que ele vê com os olhos, sente com o coração, deseja com a alma, constrói com a cabeça e as mãos, e sonha com os seus sonhos.
Por isso, quando um filho ou um aluno diz "me ajuda a olhar!", ele está, não só
reconhecendo a sua necessidade de ser ajudado a olhar e ver mais longe, mas, também homenageando seu pai ou seu educador, reconhecendo nele o seu saber, sua coerência, sua amizade, sua parceria.
Se um pai ou um educador escuta um "me ajuda a olhar!", seja através da fala, dos olhos, das mãos, do corpo, do sonho, do choro, da dor, da alegria, ele deveria sempre responder com um "me ensina o que você viu!"
Só assim haverá uma verdadeira educação, isto é, uma relação plural e entre iguais, de cumplicidade, conluio, apaixonadamente verdadeira.
Esta é, segundo nosso entendimento e nossa prática, a única possibilidade de se construir uma relação efetiva entre pai-e-filho, entre educador-e-aluno.
Educação é o outro nome que se dá a esta relação que só existe e teima em se realizar no plural. É impossível existir educação no singular. Poderá haver outra coisa, instrução ou ensino, mas nunca educação.
E, se é alguma coisa plural, a função da família é ser, acima de tudo, assim como a escola também deve (e deveria) ser sempre, o "locus" privilegiado da prática educativa, onde pai-e-filho, assim com professor-e-aluno, sejam, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos desta construção. Uma relação entre pessoas diferentes - adultos e crianças - mas uma "relação entre iguais", respeitosa, solidária, afetuosa e enriquecedora para ambos.
_Isto é possível?
_Claro que é!
Mas para que esta educação se realize em toda sua plenitude, é necessário que o pai ou o professor tome a iniciativa de levar o filho ou o aluno a "descobrir o mar", a superar, juntos, as "dunas altas", e as "alturas de areia".
Ao fazer isto, o pai ou o educador estará re-descobrindo o mar através do olhar do filho ou do aluno. Este descobrir/redescobrir o mar juntos, significa reinventá-lo, reciclá-lo, reapropriá-lo, renascê-lo. E, acreditamos que todo dia é dia de navegar nos mares da vida e de passar este mundo a limpo para que todos nós - pais e filhos, professores e alunos - sejamos, diuturnamente, educadores e educandos do mistério e da mágica que é o viver.
Por outro lado, o "me ajuda a olhar!" tem significado, a cada dia que passa, o nosso compromisso de não deixar que nossa geração de herdeiros - filhos e alunos - vagueie perdida, abandonada e vitimada por um mundo cada vez menos seu.
Este pedido se pode ser um abraço também tem sido um sinal de alerta, um aviso, um tapa na cara.
Voltemos a Eduardo Galeano, agora em sua "Celebração das contradições/2": "...Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia. Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança, porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca aventura de viver no mundo" (in "O Livro dos Abraços").
Por isso temos que ser sempre educadores, sejamos pais, sejamos filhos, sejamos
professores, sejamos alunos, porque "cada promessa é uma ameaça; cada perda, um encontro. Dos medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão."
_"Me ajuda a olhar!?"
_"Me ensina o que você viu!?"


Acesso em 25/05/2010.


2 comentários: